By Prof. Manuel Ferreira Patricio, Evora, Portugal · 12 February 2006 · 4 min
Foi no primeiro trimestre de 2004 que a Universidade de Évora resolveu promover a organização de um Simpósio Internacional sobre a ideia de Sociedade Cosmopolita. O desígnio surgiu no seio do Conselho Geral da Fundação Luis de Molina, da Universidade de Évora, por sugestão do Professor Doutor Adriano Moreira, membro desse Conselho. O Reitor deu a sua adesão com entusiasmo e o Conselho aprovou. Foi decidido que seria a própria Universidade a promover o evento, com a colaboração da Fundação.
Dada a conjuntura internacional, a ideia entretanto evoluiu e aperfeiçoou-se. Ao mesmo tempo, a reflexão conduziu-nos a planear o convite a Sua Alteza o Aga Khan, como personalidade internacional do maior relevo e muito bem posicionado, pela sua genealogia, estatuto, orientação espiritual e obra para cabeça do Simpósio. Feitos os contactos preliminares necessários e obtida a resposta positiva de Sua Alteza, o tema acabou por ficar com a seguinte formulação: Sociedade Cosmopolita, Segurança e Direitos Humanos – em sociedades pluralistas e pacíficas.
A Universidade decidiu entretanto enriquecer a visita com a atribuição do grau de Doutor “ Honoris Causa” a Sua Alteza, ideia que encontrou o melhor acolhimento por parte do Conselho Científico e do Senado Universitário. Ficou, assim, configurada uma jornada que reputamos de histórica.
Desde o século XVI que a Universidade de Évora trabalhou persistentemente no horizonte da unidade humana mundial. Nesse trabalho se destacaram alguns dos seus Mestres mais ilustres, construindo doutrina social e política congruente com esse horizonte. No friso desses Mestres avulta a figura de Luis de Molina, ainda hoje Mestre de ressonância mundial. Dentro do mesmo espírito se fez filosofia e teologia, avultando aqui a figura de Pedro da Fonseca, internacionalmente conhecido como o Aristóteles português. Assim, tanto no seu primeiro ciclo de existência (1559-1759) como no actual (1973-?), a Universidade de Évora revelou assumir como orientação de fundo o entendimento universal entre os homens, situando-se num plano transcendente aos particularismos de raça, cultura, território, organização social e política, vinculando-se antes à ideia de cidadania do mundo, vinda das profundidades do tempo desde os estóicos e os cristãos dos tempos finais do Império Romano. Pensamos hoje que é uma ideia estruturante do futuro da humanidade. A sociedade humana deve ser uma sociedade de homens, seja qual for a sua origem e a sua configuração mental e espiritual. A pólishumana só pode conceber-se, de ora em diante, como cosmo-pólis. Só uma tal Sociedade será segura e só ela poderá ser o lugar de uma verdadeira promoção e defesa dos direitos humanos. Ela será, naturalmente, não apenas pluralista, mas intrinsecamente plural. O que faz de uma sociedade humana a identidade que a caracteriza é a sua história. Essa identidade deve ser rigorosamente respeitada.
No século XX, viveu o Mundo experiências dolorosas de totalitarismo, em especial as experiências do totalitarismo racista e do totalitarismo colectivista. Com tais experiências o homem sofreu e aprendeu. Confrontamo-nos hoje com fenómenos de diferente rosto, mas igualmente perigosos e inumanos: fundamentalismos de diversa matriz, o terrorismo. Para lhes fazermos frente urge organizar o pensamento e a acção dos homens de boa vontade, seja qual for o particular espaço cultural e religioso da sua proveniência, para que toda a pólis dos homens se assuma e organize como cosmo-pólis e para que todo o cidadãode umasociedade empírica seja verdadeiramente um cidadão do mundo. Temos de nos congregar para realizar este projecto, que é o de uma convivência humana plenamente fraterna, plural e pacífica e, como tal, segura e respeitadora dos direitos humanos.
Os oradores que hoje nos irão apresentar o seu pensamento sobre o tema ao mesmo tempo complexo e uno deste Simpósio – Sua Alteza o Aga Khan e o Presidente do Conselho Nacional de Avaliação do Ensino Superior Professor Doutor Adriano Moreira – veiculam histórias diferentes e diferentes ângulos e posições de análise. Intervirá, a encerrar, Sua Excelência o Presidente da República. Ficam assim reunidas, no conjunto, as condições necessárias para realizar a convergência que se encontra subjacente à ideia de “ Sociedade Cosmopolita” e ao projecto de um mundo humano pluralista e pacífico, seguro e respeitador dos direitos humanos. Não foi possível a Don Matteo Zuppi, Secretário Eclesiástico da Comunidade de Santo Egídio, vir até nós, como sempre esteve previsto, por dificuldades insuperáveis decorrentes do facto de o Simpósio ter de se realizar ao domingo. Todos lamentamos o facto. Pela extraordinária simpatia que Don Matteo teve comigo em todos os contactos que, ao longo de mais de um ano, tive o privilégio de manter com ele, quero neste momento testemunhar-lhe o mais profundo agradecimento pessoal e da Universidade de Évora. Estou seguro de que a sua mensagem activa de fraternidade humana plena, de pluralismo e paz entre os homens paira sobre este Simpósio. Don Matteo está connosco. Motivo oficial de última hora acabou por obrigar Sua Excelência o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Professor Doutor Diogo Freitas do Amaral, a partir para Lisboa, impossibilitando a sua programada participação. Também ele está connosco.
Resta-me agradecer a Sua Excelência o Presidente da República, a Sua Alteza o Aga Khan e ao Senhor Professor Doutor Adriano Moreira a sua presença entre nós e o privilégio de nos concederem a dispensação da sua sábia palavra. É essa que vamos passar a ouvir e a meditar, numa hora histórica em que a humanidade bem precisa de serenidade e sabedoria.